domingo, 7 de novembro de 2021

O Jogo do Anjo

 



 "- Creio que tens talento e vontade,  Isabella. Mais do que crês e menos do que esperas. Mas há muitas pessoas que têm talento e vontade,  e muitas delas nunca chegam a nada.  Esse é só o princípio para se fazer qualquer coisa na vida.  O talento natural é como a força de um atleta. Pode- se nascer com mais ou menos faculdades,  mas ninguém chega a ser um atleta só porque nasceu alto ou forte ou veloz. O que faz o atleta, ou o artista,  é o trabalho,  o ofício e a técnica. A inteligência com que nascemos constitui apenas as munições. Para conseguirmos fazer qualquer coisa com ela,  é necessário transformarmos a nossa mente numa arma de precisão. 
(...)
Toda a arte é agressiva,  Isabella. E toda a vida de artista é uma pequena ou grande guerra, começando connosco e com as nossas limitações.  Para chegar a qualquer coisa que proponhamos fazer serão necessários primeiro a ambição e depois o talento,  o conhecimento e, finalmente,  a oportunidade. "

Carlos Ruiz Zafón 

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Mataram a Cotovia - Harper Lee-














"- Então não faz mal odiar Hitler?
- Claro que faz - disse ele. - Não se deve odiar ninguém.
- Atticus - continuei - há uma coisa que não estou a perceber. Miss Gates disse que é horrível o que o Hitler está a fazer, até ficou toda vermelha...
(...)
- Miss Gates é uma senhora muito simpática, não é?
- Claro que é - respondeu o Jem. -  Eu gostava dela quando andava na sua classe.
- É que ela odeia muito o Hitler...
- E o que há de errado com isso?
- Bem, hoje ela falou qu'era errado ele tratar os judeus daquela maneira. Jem, não está certo andar a perseguir as pessoas, pois não? Ou melhor, ter maus pensamentos sobre aguém, não é?
- Claro que não, Scout. O que é que se passa contigo?
- Sabes, quando naquela noite, no tribunal, Miss Gates... ela estava a descer os degraus à nossa frente, tu não a deves ter visto... ela estava a falar com Miss Stephanie Crawford. Eu ouvi-a dizer que já era altura de alguém lhes dar uma lição, que estavam a exceder-se e que a seguir já iam começar a pensar que podiam casar connosco. Jem, como é possível odiar tanto o Hitler e, assim que se voltam as costas, ser-se tão mau para as pessoas da nossa terra..."

Mataram a Cotovia - Harper Lee

sábado, 22 de maio de 2021

"Assim podia ler na cama. Os livros"

"O puro desperdício. Para me vingar da pobreza em que cresci. Só havia luz numa divisão, ia-se para a cama às escuras. Os poucos centavos da mesada que recebia gastava-os em pilhas, para uma lanterna de bolso. Assim podia ler na cama. Os livros, roubava-os. Livros não devem custar nada, era o que eu achava então e ainda hoje penso o mesmo. Passavam a vida a cortar-nos a eletricidade por não pagarmos as faturas. Cortar a luz  - nunca me hei--de esquecer da ameaça. São sempre aquelas coisas simples que nunca conseguimos ultrapassar. Como aquilo que cheirava; o ardor depois da bofetada; o modo súbito como a escuridão inundava a casa; a grosseria de praguejar do pai."

Comboio Nocturno para Lisboa
Pascal Mercier





Eu nunca roubei literalmente livros, mas li todos os livros de todas as bibliotecas pessoais que encontrei até a vida adulta me apanhar com a falta de tempo para fazer mais do que ir lendo aos poucos as bibliotecas dos que me rodeiam e da minha também....
A mim nunca vieram "cortar a luz" mas a expressão é-me familiar e poderia ter acontecido se lá em casa os adultos não soubessem priorizar e vivessem todos eles em função de nós... os mais novos... 
Apesar disso também li às escondidas. Assim que aprendi a ler, para mim foi como se me tivessem dado asas e passei a ser uma " ratinha de biblioteca". Lia a toda a hora, lia o que queria porque as.bandas desenhadas que se trocavam entre os miúdos da altura não me chegavam. Também as lia, mas duravam pouco e não me lembro de ter realmente prazer em as ler.
Lembro-me de a minha avó, durante as férias de verão em que tinha os netos todos em casa e a porta sempre aberta para brincar na rua (depois da hora de maior calor) me aconselhar ( até me convencer) a ir brincar lá para fora e largar os livros. E lembro- me bem de com uns 7 anos ter um quarto criado numa parte da sala adaptada só para mim, porque eu achava que era crescida e queria um quarto só para mim. Esse espaço para além de estar dividido por degraus da sala de estar também tinha um cortinado, mas era claro e eu conseguia ter luz suficiente para ler depois de ser suposto estar a dormir...
Fui apanhada algumas vezes e agora percebo que nunca seria muito tempo porque estava cansada e não me lembro de ler muito, mas durante anos ponderei secretamente se esse não teria sido o motivo para passado alguns anos ter passado a "usar óculos ".



segunda-feira, 10 de maio de 2021

O poder da palavra escrita

 " De novo se perguntou para quem estava a escrever o diário. Para o futuro, para o passado - para uma era provavelmente imaginária. E diante dele erguia-se-se, não a morte, mas o aniquilamento. O diário seria reduzido a cinzas, e ele próprio vapor. Só Polícia de Pensamento leria aquilo que ele escrevera, antes de o varrer da existência e da memória. Como podia apelar-se ao futuro quando nem o menor vestígio de nós próprios, nem mesmo uma palavra anónima rabiscada num bocado de papel, tinha a hipótese de sobreviver fisicamente."

George Orwell - 1984




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